4.10.12

Turquia quer reaver património e visitou Museu Gulbenkian

A Itália, a Grécia e o Egipto são peritos nestas campanhas, ao contrário da Turquia, que, tendo em curso um programa de pedidos de devolução de antiguidades pelo menos desde o início dos anos 1990, não costuma servir-se de jornais e televisões para pressionar os seus interlocutores. Mas, nos últimos meses, Ancara parece ter mudado de estratégia. As autoridades turcas ligadas à conservação do património estão a pedir a museus em todo o mundo que façam um exame aos seus acervos e determinem em que condições determinadas peças ali chegaram. Ao mesmo tempo, o ministro da Cultura e o director-geral do Património têm falado à imprensa, defendendo os objectivos da campanha, dando conta de vitórias pontuais e apontando a mira a algumas colecções internacionais. Garante a revista britânica The Economist que museus como o Metropolitan (Nova Iorque), o Pergamon (Berlim) e o Louvre (Paris) receberam já a visita de representantes de Ancara, alguns com exigências precisas. O diário norte-americano The New York Times (NYT) não hesita mesmo em escrever na edição do passado domingo que os directores destas instituições se sentem "sitiados" pelas exigências do Governo turco. Foi nesta lista de museus de prestígio que poderiam vir a ser objecto de pedidos de devolução que a Economist de 19 de Maio incluiu o Museu Calouste Gulbenkian, em Lisboa. O director do museu, João Castel-Branco Pereira, confirmou terça-feira que recebeu em Junho dois representantes turcos na sede da fundação, mas que não houve qualquer pedido formal de restituição de peças. "Sabiam exactamente o que procuravam, certamente porque consultaram os nossos catálogos," diz. "Traziam, inclusive, o número de inventário dos fólios que gostariam de ver. Disseram apenas que queriam estudar os documentos e consultar os seus registos." Este lote de documentos é composto por cinco fólios (folhas) soltos dos séculos XV a XVII, uns de um volume do Corão, outros de um manuscrito não-identificado, diz Jorge Rodrigues, responsável pelo acervo de arte islâmica da colecção Gulbenkian. "São todos belíssimos, com iluminuras, mas como são meramente decorativos, sem texto, não é possível determinar a que tipo de obra pertenceriam os que não são do livro sagrado," acrescenta o historiador de arte. O mais importante destes documentos terá sido a página (ou uma das páginas) de abertura de um Corão da segunda metade do século XV, com uma shamsa, "uma representação figurada do sol que teria o sentido simbólico de 'iluminar' os fiéis," explica Rodrigues, acrescentando que a inscrição que lhe está associada a dedica ao seu encomendador, provavelmente o sultão otomano Mehmed II, "O Conquistador", que reinou entre 1451 e 1481. Sem entrar em detalhes, uma fonte oficial da Embaixada da Turquia em Lisboa confirmou o pedido de informações à Gulbenkian, mas garantiu que este nada tem a ver com a campanha a que se referem os artigos da Economist e do New York Times. "A visita ao Museu Gulbenkian foi pedida por Ancara e é de rotina," acrescentou a mesma fonte. "É um procedimento normal no quadro das relações culturais entre países. Todos os países podem fazer este tipo de visitas de rotina." O director do Museu Gulbenkian autorizou o acesso à informação do inventário e, segundo Jorge Rodrigues, foram já enviadas aos representantes turcos imagens digitalizadas dos documentos em causa. "Acho muito bem que um país queira conhecer o património que tem espalhado pelo mundo," diz Castel-Branco Pereira, "mas passar daí a uma exigência será outra coisa, implica uma reflexão."

(Fonte: Público)

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